Por Marcionila Teixeira

"No futuro, todos terão seus quinze minutos de fama”, previu o cineasta e pintor americano Andy Warhol, em 1968. O fenômeno da Internet garantiu que isso ficasse mais fácil e alcançar a fama se tornou um risco que todos correm – querendo ou não. O problema é que não se trata de ser célebre, mas de ter sua reputação solta na nuvem.

A gestora ambiental pernambucana Dandara Marques, 25 anos, se viu “famosa” nas redes sociais simplesmente por ser negra: um internauta paulista compartilhou uma foto de Dandara no Facebook com um comentário racista. “Me dê uma caixa de fósforos que faço progressiva nessa infeliz”, disse.

A foto foi postada originalmente em uma página de beleza negra. A repercussão contra o autor da agressão foi imediata. E fortaleceu Dandara:“A agressão não era apenas racista. Era machista. A mulher negra geralmente chama mais atenção quando investe nos adereços, no cabelo black power. Se fosse um homem ele não teria compartilhado e comentado. Sou preta e mulher. Isso incomodou”, pensa Dandara.

Ela registrou boletim de ocorrência contra o agressor na Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos de Pernambuco e procurou o Ministério Público. O Afoxé Omô Nilê Ogunjá, do Recife, onde Dandara dança, publicou uma nota de repúdio ao ato na rede social. Na época, a página do autor da agressão também foi tirada do ar.

Homens que não se dão ao respeito

Filha do cantor Lirinha, ex-Cordel do Fogo Encantado, Elvira Freitas, 16, usou um episódio de machismo vivido por ela nas redes sociais para empoderar colegas de um colégio particular em Olinda, onde estuda. Tudo começou quando, em fevereiro, Elvira retrucou uma mensagem no Twitter de um morador de Arcoverde, cidade pernambucana onde nasceu. A postagem falava sobre a criação de um troféu de melhor "puta" naquele município do Sertão.

“Falei que ficava triste com tanto machismo e ele me respondeu dizendo que eu não tinha idade nem
para votar, que falava aquilo por ser filha de Lirinha e até lésbica. Publiquei minha indignação no Facebook e ganhei um grande número de curtidas e compartilhamentos”, lembra. Em apoio a Elvira, estudantes e professores também prepararam placas com dizeres contra o machismo, postaram nas redes sociais e iniciaram um debate na escola nunca antes visto.

Contra-ataque

Professora da Universidade Federal do Ceará e blogueira feminista, Lola Aronovich acredita que reagir publicamente contra atos machistas pode funcionar como punição. Ela mesma é ameaçada de morte por misóginos, mas denuncia os casos nas redes sociais, na Polícia e na Justiça. “Às vezes é bom expor. Não sei se adianta, mas é o melhor que podemos fazer. Alguns pedem desculpas, se envergonham, deletam a mensagem e o perfil. Um outro caminho é printar os comentários, pois são provas dos ataques”, orienta.

Indignados com o blog Lola Escreva, mantido pela professora para discussões feministas e o mais acessado sobre o assunto no País, machistas criaram um site falso no nome dela. “Falavam coisas horríveis, como se fosse eu a autora. Disseram até que eu tinha promovido um aborto na universidade. Até certo ponto me afeta, mas não tenho medo”, acrescenta. Os grupos responsáveis pelos ataques a Lola pregam a legalização do estupro corretivo de lésbicas, da pedofilia e morte aos negros.

Um exemplo de repercussão considerada um sucesso foi a campanha com a hashtag #PrimeiroAssédio, promovida pelo Think Olga, que discute questões feministas. Aconteceu em outubro, após episódio envolvendo a participante do MasterChef Júnior Valentina Schulz, 12. A garota foi alvo de comentários pedófilos no Twitter.

Milhares de mulheres e homens atenderam ao chamado da campanha e relataram publicamente a primeira vez em que sofreram assédio sexual. Ou ao menos a primeira vez da qual se lembram. Muitas vítimas revelaram estar falando pela primeira vez no assunto. A pesquisadora brasileira Giovanna Dealtry está preparando um livro com os relatos da campanha.

A presidente e o sexo

Recifense, o cantor João do Morro se viu no olho do furacão após divulgar, em novembro, uma composição chamada Resposta para Dilma. A letra critica os eleitores da petista, faz referências à suposta orientação sexual da presidente e diz que ela precisa de um homem para resolver a situação do País. O PT de Pernambuco repudiou a letra por conteúdo violento, ofensivo e machista. “A violência contra as mulheres é coisa séria. Desqualificar, insultar, menosprezar e diminuir as mulheres são formas de perpetuar a opressão e a violência vivenciada por elas no cotidiano”, diz a nota.

Em julho, Dilma Rousseff foi alvo de outra agressão. Desta vez, adesivos com a imagem da presidente em que ela aparece de pernas abertas foram postos à venda para serem colados no tanque de gasolina dos carros. Quando abastecidos, passariam a ideia de que a bomba de gasolina estava penetrando sexualmente a figura falsa. A penetração era usada como punição contra Dilma, castigada por ter subido os custos dos combustíveis. A venda do adesivo que fazia clara apologia ao estupro foi um fracasso. O caso foi denunciado pelo Governo Federal à Organização das Nações Unidas(ONU).

Erotização de crianças

Campanhas como "Use e lambuze", da marca de roupas infantis Lilica Ripilica, e "Vem ni mim que eu to facim", da grife do apresentador Luciano Huck, também viraram alvo de críticas nas redes sociais e levantaram a discussão sobre o debate da violência sexual contra meninas e mulheres. Na imagem da Lilica, exibida em outdoors e revistas, uma menina com cerca de cinco anos está sentada em uma espécie de divã, segura um doce, tem o rosto sujo de açúcar e creme e olha diretamente para a câmera com um meio-sorriso nos lábios. Ao lado, as palavras “Use e se lambuze”.

No caso de Huck, a frase é conhecida por ser usada para quem está aberto a beijar outras pessoas nas baladas. As peças publicitárias foram consideradas incitadoras da pedofilia. “Por trás dessas campanhas está um inescrupuloso jogo de mercado em que a publicidade e o marketing se ancoram na estrutura do patriarcado que instrumentaliza e usa a imagem de meninas e/ou mulheres na velha lógica do objeto. Essas campanhas atingem toda a sociedade, não só as mulheres”, diz a secretária da Mulher do Recife, Elisabete Godinho. Para ela é importante divulgar serviços de atendimento e aprofundar uma forma de regulação da publicidade voltada para o público infanto-juvenil.

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