Juçara Dutra Vieira
Doutora em educação, professora aposentada da rede de ensino público do RS, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (2002-2008)

A ideia de saúde é autoexplicativa e vale para todas as idades, gêneros e raças. É o contraponto da finitude da vida, a expectativa de sua fruição da forma mais  intensa  e  plena  possível.  Por  isso,  os cuidados com ela são, ao mesmo tempo, um direito individual e uma responsabilidade a ser compartilhada.

Este texto aborda a saúde das trabalhadoras em educação como área de interesse acadêmico, educacional e sindical da CNTE.
Baseia-se em pesquisa realizada pela autora em 2017 [1], cujo foco foi “saúde e condições de trabalho”, mas que também investigou outros aspectos relacionados à identidade, ao profissionalismo e às experiências profissionais e sociais de educadores(as) de redes públicas da educação básica.

A pesquisa dá continuidade a outras investigações realizadas pela Confederação, a partir dos anos 1990. Desde então, ocorreram mudanças no contexto socioeconômico e no mundo do trabalho. No Brasil, as políticas neoliberais da década de 1990 estimularam a
privatização da educação superior, técnica e tecnológica, além de reduzirem o conceito de educação básica – por meio de ações focalizadas no ensino fundamental – e promoverem a desvalorização dos profissionais da educação.

Os efeitos das políticas nacionais impactam nos estados e municípios, sejam os que reproduzem a lógica da submissão do Estado
aos interesses do capitalismo neoliberal, sejam os que têm pouca participação na distribuição dos tributos. A realidade se reflete nos orçamentos, no descumprimento de leis – como a do Piso Salarial Profissional Nacional –, na precarização das relações de trabalho e nas condições físicas, materiais e funcionais das escolas públicas.

Por  isso,  ao  serem  perguntadas  sobre as condições relacionadas ao ambiente de trabalho, as profissionais da educação identificaram várias deficiências, sendo as cinco mais citadas, em percentuais decrescentes: falta de laboratório de ciências – 63,6%; falta de laboratório de informática – 55,3%; inexistência de CIPA [2] – 53,1%; falta de sala de recursos (inclusão) – 53,0%; e falta de segurança no trabalho – 52,2%. Embora as respostas reflitam preocupação com a segurança, as educadoras, incluindo as funcionárias da educação, enfatizam as condições relacionadas à aprendizagem  de  todos(as)  os(as)  estudantes  e,  particularmente, dos(as) destinatários(as) das políticas de inclusão.

Professoras, especialistas em educação/pedagogas e funcionárias da educação citaram  cerca  de  40  (quarenta)  situações  que  
produzem impacto sobre sua saúde. As seis que receberam maior número de menções seguem a seguinte ordem: acúmulo de cargos, funções ou atividades – 66,2%; dificuldade de aprendizagem dos estudantes – 56,1%; assédio moral por questões ideológicas – 54,6%; falta ou  precariedade de material pedagógico  –  53,5%; jornada de trabalho excessiva – 51,8%; excessivo número de alunos por turma – 51,8%. Subjacentes a essas situações encontram-se outras, tais como: baixos salários, indutores de  múltiplas  jornadas;  insuficientes  investimentos  na  educação;  descompasso  entre as  expectativas e necessidades das novas gerações,  as  políticas  de  formação  dos(as) profissionais  da  educação e o projeto  político pedagógico das escolas; reacionarismo e desrespeito à liberdade de expressão dos(as) educadores(as) de que é exemplo o Projeto Escola Sem Partido. [3]

As pressões sofridas, cotidianamente, pelos profissionais da educação são, portanto, de ordem material, mental e psicológica. A  
investigação comprova a persistência da síndrome de Burnout, identificada pela CNTE em  pesquisa  realizada  em  conjunto  com  a  
Universidade de Brasília (UnB), que resultou em publicação [4] de referência para estudiosos do tema. Destacam-se, também, a síndrome do pânico e a síndrome do pensamento acelerado, ambas geradoras de ansiedade, estresse e desgaste mental. A ansiedade, aliás, é o principal sintoma de mal-estar e/ou adoecimento identificado pelas profissionais de educação, com 72,7% de menções. Na sequência, aparecem: cansaço  e  fadiga  (68,4%),  problemas  de  voz (67,7%), dor nos braços (61,7%) e dor de cabeça
(59,3%). Os sintomas são percepções de como elas se sentem para enfrentar as atividades cotidianas.

As doenças ou distúrbios, por sua vez, só são consideradas como tal a partir de diagnóstico de profissional da área da saúde. Embora
o problema de voz continue a ser uma doença característica  da  profissão,  situando-se  –  junto com a depressão – em segundo lugar, é o estresse a principal doença das educadoras pesquisadas.  Elas  também  convivem  com  alergia a pó, que pode advir da poluição do ar, porém está associada ao uso de quadro e giz, ainda um dos principais recursos didáticos disponíveis nas escolas básicas. Enxaqueca e hipertensão arterial aparecem empatadas em quarto lugar. De acordo com a literatura médica, os índices de hipertensão aumentam com a idade; nesse sentido, é importante destacar que as duas faixas etárias predominantes entre as entrevistadas são de 51 a 60 anos e de 41 a 50 anos, respectivamente. Em quinto lugar, as lesões por efeitos repetitivos (LER) e as varizes são doenças que acometem as mulheres, ambas físicas e associadas ao trabalho.

O adoecimento pode ser uma contingência da natureza humana e de seus limites. Entretanto, as doenças laborais representam falta
de políticas preventivas, omissões ou ações deliberadamente voltadas para a exploração do  trabalho,  características  do  capitalismo  de orientação neoliberal. Por isso, é preciso saudar a resiliência das educadoras brasileiras e seu papel na formação de gerações de
mulheres e de homens para uma sociedade de iguais em direitos, ainda que diversos(as) nos talentos, vivências e realizações.

[1] O questionário  foi  respondido  por  762  delegados(as),  participantes do 33º Congresso Nacional da Confederação Nacional  dos  Trabalhadores  em  Educação  (CNTE),  realizado  em  janeiro  de  2017,  465  dos  quais  mulheres  de  todos  os segmentos  profissionais:  professoras,  funcionárias  da  educação  e  especialistas  em  educação/pedagogas.  Profissionais pertencentes  a  dois  ou  mais  segmentos  receberam  a  denominação de “multiprofissionais”.

[2]  CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

[3] Projeto de Lei do Senado nº 193/2016: Inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o "Programa Escola sem Partido".

[4] CODO,  Wanderley  (coordenador).  Educação:  carinho  e  trabalho – burnout, a síndrome da desistência do educador, que
pode  levar  à  falência  da  educação.  4  ed.  São  Paulo:  Saraiva,  2004.

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